quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Puxou a cadeira e sentou. “Cadê o divã que tanto falam? Estou pagando caro nisso, esperava que pelo menos fosse igual aos filmes e livros!".
A mulher do outro lado da mesa pegou um pedaço de papel rosa. "Qual a seriedade que você pode depositar numa clínica que ficha seus pacientes em papéis coloridos?...Tenho que parar com o negativismo. Se não, nada vai dar certo mesmo!". Respirou fundo e fungou enquanto coçava a cabeça, num jeito desconfiado.
Perguntas corriqueiras foram feitas. Drogas? Sim, muitas. Alcool? Excessivamente. Remédios? Aquelas pílulas para dormir e algumas pra tirar a dor, nada demais.  Todas as respostas anotadas no papel, o qual foi posteriormente guardado. Então a terapeuta pegou uma espécie de agenda para anotar o rumo que a sessão iria tomar.
Ela não queria estar ali. Havia relutado, não precisava de ajuda! Era normal sentir medo, angústia, revolta, aflição e tristeza repentina. Mas todos diziam que não, que ela era bipolar, que deveria procurar conselhos espirituais, ou se benzer, ou ir ao culto evangélico, a uma mesa redonda com médiuns e todos esses blablablas. Ir a uma terapeuta foi o mais sensato e aceitável e então, decidiu tentar.
- O que a trouxe até aqui? - questionou a terapeuta
- Insatisfação crônica - respondeu convicta
- Então você mesmo já se auto-diagnosticou? Como chegou a essa conclusão?
- Tem coisas que a gente sabe desde sempre, só não quer aceitar e admitir.
- Entendo. Me fale mais sobre o que sente.
- Fome, toda hora. Acho que isso faz parte da minha insatisfação crônica...Vontade de mudar as pessoas e o mundo também. Já tive quatro namoros, nenhum deu certo. Eu nunca estava feliz, nunca me sentia plena. Sempre quis ser solteira...agora sou, sinto um vazio!
- Você tem que procurar ver a vida pelo lado bom, tem que tentar entender as pessoas e aceitar seus defeitos e qualidades.
- E você tem que parar com esse senso comum. Qualquer um pode me dizer isso...é o óbvio!
- Então por que não ouve e tenta mudar?
- Porque não é tão simples. Eu ouço, eu quero. Mas algo me diz que o que precisa mudar é o mundo, e não eu. Está errado, está tudo errado. Eu não devo ser daqui, isso sim.
- Já pensou na possibilidade de pôr em prática suas novas idéias?
- Aqui é que está. Por isso odeio terapeutas. Vocês acham que são os únicos que enxergam as respostas. É lógico que pensei, mas primeiro preciso descobrir quais são.
- Acredita que possa ser feliz?
- Feliz? Não. Nunca vi felicidade plena. Já vi falsidades, já vi pessoas contentes com uma vida mais ou menos, mas não felicidade. Você é feliz?
- Sou.
- Por quê?
- Tenho tudo o que quero. – respondeu a terapeuta com extrema calma.
- Você quer ajudar seus pacientes?
- É meu trabalho.
- Já ajudou todos?
- Os possíveis.
- Mas então você não é feliz.
- Por quê?
- Não conseguiu tudo o que queria.
- Quem tem que querer são eles.
- Por meio de você. Não sei como pode ser feliz. Ou finge ou é cega.
- Você...? – disse a terapeuta imersa em um olhar vago.
- Sim, a vida é uma questão de ponto de vista.
- Certo... mas como posso mudar isso?
- Não sei, mas se soubesse seria terapeuta.
No dia seguinte não teve expediente. Era sábado.

Em parceria com o velho de 60 anos mais querido de todo o mundo Leonardo.

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