terça-feira, 18 de outubro de 2011

Vestibular

Aquela era eu, parecendo um zumbi que saiu direto do Resident Evil, correndo com as sandálias nas mãos na Avenida Brasil. Parecia o apocalipse: uma fila de carros, um congestionamento digno de cidade grande, mais pessoas correndo e alguns carros quebrados no estacionamento com o motor fervendo. Acho que nunca rezei tanto, inconscientemente talvez. Consegui entrar no prédio e logo depois fecharam as portas. Faltava-me o ar e eu ainda não sabia de onde havia tirado tanta força.

Não havia dormido na noite passada e estava sem comer nada desde então. Nem mesmo a água parava no meu estômago. Meu coração batia acelerado, todos os meus músculos doíam, pareciam se contrair freneticamente, minha cabeça zunia... Eram as vozes. Sinceramente, foi uma experiência de quase morte. Minha mãe, coitada, até tentava me acalmar. Sem sucesso, resolveu dormir e eu continuei na minha angústia. Aquilo era o inferno na Terra! E tudo culpa da minha querida companheira de longa data: a ansiedade.

Quanto mais se aproximava o horário da prova, mais tensa eu ficava... Certamente eu estava pagando meus pecados. Por um milagre consegui me vestir, conferi inúmeras vezes se estava levando o necessário. Por Deus, eu já estava matriculada em uma universidade particular! Já estava tudo definido quanto ao meu futuro, mas mesmo assim, eu insistia em surtar. Como sempre! Talvez fosse a pressão de quem sempre estudou em um colégio particular mostrar que aquilo serviu para alguma coisa. Ou talvez fosse a necessidade de se comparar a sua irmã, que havia passado estudando em instituições públicas desde criança. Talvez, talvez...

Depois de entrar no prédio, fui a procura da sala. Já estavam todos lá. Senti que mentalmente riam de mim. Sentei no lugar que fora estipulado. Atrás de mim havia uma menina gorda que usava óculos de lentes grossas. Ela vestia uma blusa amarela. Aquilo me fez lembrar uma coxinha com mostarda e o enjôo veio. "Não posso passar mal aqui! Não posso! Não posso!" - repeti incessantemente na minha cabeça. Logo ela começou a bater o pé na minha carteira de forma ritmada e irritante. "Merda! Preciso me concentrar e essa coxinha pensa que tá tocando uma percussão!"

Mesmo com tudo conspirando contra mim, naquele dia maldito, eu consegui ter calma e paciência, depois de horas de tortura. Comecei a fazer a prova. Não me recordo das questões, nem de nenhum pensamento ou sentimento que tenha me ocorrido durante o tempo em que respondia o teste. Parecia ter entrado em um universo paralelo. Não demorei muito a terminar, anotei o gabarito e sai do prédio. Sentia uma fome gigantesca, uma dor de cabeça latejante, mas um incrível alívio. Sensação de missão cumprida.

Quando o gabarito foi liberado, soube que havia zerado uma matéria específica. Isso era eliminatório para a próxima fase. Bateu o desespero! Como eu era burra, Jesus! Quem mandou dormir todas as aulas durante o terceirão? Mesmo tendo decidido fazer um curso em uma universidade privada, era praticamente uma obrigação passar na Unioeste. Era uma questão de honra!

Alguns dias depois veio a notícia de que haviam anulado uma questão da tal matéria. Alegria! Fui para a segunda fase, ocorreu tudo bem durante a prova. É claro que nos momentos antecedentes, sofri tudo novamente, como qualquer pessoa louca. Dessa vez resolvi não conferir o gabarito... "Foda-se!" - era tudo o que eu pensava!

No dia do resultado, recebi uma ligação do colégio em que estudava para aguardar a lista de aprovados junto aos demais vestibulandos. "Não, obrigada... não sei se vou passar!". Decidi ficar em casa, plantada em frente ao computador apertando F5 como se não houvesse outra tecla no teclado. Quando finalmente o bendito arquivo PDF foi liberado, experimentei algo sensacional. Não sei definir, mas certamente foi um dos dias mais felizes da minha vida!

Sentia vontade de sair gritando pelas ruas. A expressão “sorriso de orelha a orelha” era a tradução de como eu estava. Sentia dores nas bochechas de tanto sorrir. Fomos até a Unioeste comemorar com os outros colegas, compramos uma cidra/espumante/whatever e à noite fomos comemorar num bar. Lembro de todas as sensações até hoje, como se isso tivesse acontecido semana passada.

Decidi escolher Ciências Contábeis. Nunca acreditei em karma, destino, ou como quiserem chamar... mas parecia que alguém lá em cima quis que eu seguisse esse caminho!

E que bom que o segui! Que bom!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Receita

Num dia desses um amigo me perguntou se eu realmente gosto de cozinhar. Aliás, me questionou se eu realmente o fazia, como se fosse algo de outro mundo. Machismos idiotas à parte, gosto sim. Um dos meus hobbies. Ok, podem fazer piadinhas à vontade, o que vão levar em troca será uma erguida de sobrancelha e um sonoro “foda-se”.

Ver os ingredientes se misturando, tomando formas diferentes...brincar com aromas, texturas, sabores, combinações inusitadas. É relaxante, desestressante e não tem tanto mistério assim!  É muito mais simples que pessoas. Na verdade, cozinhar pra mim é uma fuga dos problemas diários, que quase sempre, envolvem os benditos seres humanos.

Se faltar fermento, o bolo não cresce. Se bater a massa demais, também não. Se o forno não for muito bom, batuma. Já com as pessoas, é tudo diferente, complicado. Às vezes tomamos decisões pensando em agradar, e no final das contas, acabamos magoando.  Não sabemos como agir, se devemos ligar, convidar pra sair. Se perguntar daquele assunto vai encomodar. E mesmo achando que conhecemos as pessoas o suficiente, sempre há algo para se surpreender, acreditem!

Certos dias (a maioria deles), nem mesmo eu me entendo. Sinceramente, sinto que sou o ser humano mais complicado da face da Terra. Melhor, não sei se sou um ser humano!  Em pouco mais umas linhas, você já deve estar pensando que realmente trombou com uma alucinada que devia se tratar. E não adianta negar, eu sei que pensa!

Pros gordos de plantão, cozinhar é só para matar a fome. Pra alguém sentimentalmente besta como eu, é muito mais que isso! Cozinhar, e principalmente fazê-lo com amor, é sublime. Demonstra sentimentos que às vezes não conseguimos expressar. Agradar alguém pelo paladar também é um carinho,  um afago, um “eu te amo” ou “me importo com você”.

Finalizando, após alguns acontecimentos, desejei profundamente que os seres humanos viessem com receita, manual de instrução, modo de usar. Seria muito mais prático! E muito mais chato também...

Pensando bem, perderia toda a graça! Imagine a quantia de terapeutas, psicólogos e psiquiatras desempregados.  Até mesmo a música perderia o sentido. O chocolate seria praticamente extinto. O álcool então, nem se fala! A humanidade e suas problemáticas não seriam mais fascinantes e talvez mais bolos fossem queimados...

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Puxou a cadeira e sentou. “Cadê o divã que tanto falam? Estou pagando caro nisso, esperava que pelo menos fosse igual aos filmes e livros!".
A mulher do outro lado da mesa pegou um pedaço de papel rosa. "Qual a seriedade que você pode depositar numa clínica que ficha seus pacientes em papéis coloridos?...Tenho que parar com o negativismo. Se não, nada vai dar certo mesmo!". Respirou fundo e fungou enquanto coçava a cabeça, num jeito desconfiado.
Perguntas corriqueiras foram feitas. Drogas? Sim, muitas. Alcool? Excessivamente. Remédios? Aquelas pílulas para dormir e algumas pra tirar a dor, nada demais.  Todas as respostas anotadas no papel, o qual foi posteriormente guardado. Então a terapeuta pegou uma espécie de agenda para anotar o rumo que a sessão iria tomar.
Ela não queria estar ali. Havia relutado, não precisava de ajuda! Era normal sentir medo, angústia, revolta, aflição e tristeza repentina. Mas todos diziam que não, que ela era bipolar, que deveria procurar conselhos espirituais, ou se benzer, ou ir ao culto evangélico, a uma mesa redonda com médiuns e todos esses blablablas. Ir a uma terapeuta foi o mais sensato e aceitável e então, decidiu tentar.
- O que a trouxe até aqui? - questionou a terapeuta
- Insatisfação crônica - respondeu convicta
- Então você mesmo já se auto-diagnosticou? Como chegou a essa conclusão?
- Tem coisas que a gente sabe desde sempre, só não quer aceitar e admitir.
- Entendo. Me fale mais sobre o que sente.
- Fome, toda hora. Acho que isso faz parte da minha insatisfação crônica...Vontade de mudar as pessoas e o mundo também. Já tive quatro namoros, nenhum deu certo. Eu nunca estava feliz, nunca me sentia plena. Sempre quis ser solteira...agora sou, sinto um vazio!
- Você tem que procurar ver a vida pelo lado bom, tem que tentar entender as pessoas e aceitar seus defeitos e qualidades.
- E você tem que parar com esse senso comum. Qualquer um pode me dizer isso...é o óbvio!
- Então por que não ouve e tenta mudar?
- Porque não é tão simples. Eu ouço, eu quero. Mas algo me diz que o que precisa mudar é o mundo, e não eu. Está errado, está tudo errado. Eu não devo ser daqui, isso sim.
- Já pensou na possibilidade de pôr em prática suas novas idéias?
- Aqui é que está. Por isso odeio terapeutas. Vocês acham que são os únicos que enxergam as respostas. É lógico que pensei, mas primeiro preciso descobrir quais são.
- Acredita que possa ser feliz?
- Feliz? Não. Nunca vi felicidade plena. Já vi falsidades, já vi pessoas contentes com uma vida mais ou menos, mas não felicidade. Você é feliz?
- Sou.
- Por quê?
- Tenho tudo o que quero. – respondeu a terapeuta com extrema calma.
- Você quer ajudar seus pacientes?
- É meu trabalho.
- Já ajudou todos?
- Os possíveis.
- Mas então você não é feliz.
- Por quê?
- Não conseguiu tudo o que queria.
- Quem tem que querer são eles.
- Por meio de você. Não sei como pode ser feliz. Ou finge ou é cega.
- Você...? – disse a terapeuta imersa em um olhar vago.
- Sim, a vida é uma questão de ponto de vista.
- Certo... mas como posso mudar isso?
- Não sei, mas se soubesse seria terapeuta.
No dia seguinte não teve expediente. Era sábado.

Em parceria com o velho de 60 anos mais querido de todo o mundo Leonardo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Seus pés balançavam no ar. O tempo parecia ter parado. "Talvez a Terra esteja girando mais devagar." - pensou. Não conseguia mais distinguir as cores, tudo estava preto e branco. Fazia sol, mas mesmo assim ela não sentia calor, nem frio.

Fazia tempo que não se sentava naquele balanço. Lembrou que costumava ir até lá quando criança, principalmente depois da chuva. Adorava quebrar as regras e desafiar o que sua mãe chamava de “perigoso”.  Recordou do cheiro do orvalho, das hortências e de como o pé de jaboticaba era lindo na época da primavera, cheio de florzinhas peculiarmente diferentes. “É...muita coisa mudou.”

Mas não sentia saudades. Nesse fim de tarde, estava mais preocupada em definir o que se passava com ela. Sempre fora tão intensa! Era extremista, quando gostava de alguém ou de algo, o fazia como se dependesse daquilo para viver. Quando nervosa, falava alto, quebrava coisas, fechava a cara e fazia bico, como uma criança mimada. Ela mesmo se definia como “mais macho que muito homem”. Às vezes pensava que afastava as pessoas, as deixava com medo...mas nunca se importou em mudar!

Hoje estava tudo tão diferente...tentou lembrar das brigas, das discussões, das inúmeras mentiras e das lágrimas que já havia derramado. Pensou nos momentos bons, em quando se conheceram, do primeiro porre juntos e das músicas que narravam essa história que fora escrita em linhas tortas, com letras borradas e em um papel roto e esburacado.
 
Não sentiu nada. Nem ódio, nem amor, nem compaixão, nem mesmo pena. Estava surpresa consigo mesma. “Talvez eu esteja novamente no meu universo paralelo, na minha realidade inventada...nunca estive assim. Tão leve, tão serena. Estranho...”

Fechou os olhos. Sentiu a brisa afagar seus cabelos e o ar inflar seus pulmões. Parou o balanço. E tudo fez sentido: quando não se sente mais nada, é porque já não vale mais a pena tentar. Naquele momento, ela soube que a tal história acabava de ter um ponto final.

domingo, 9 de outubro de 2011

Insônia nunca foi um problema para mim. Desde criança, dormir era como um dom...a qualquer hora, em qualquer lugar, em qualquer situação eu o fazia com maestria.

Mas a algumas noites, isso tem sido diferente. Deito, viro para um lado...para o outro. Nada. Decido tentar dormir de barriga para cima. Desconfortável, não daria certo.Volto à posição rotineira. Nada. Imagino uma praia, onde eu estaria magra, de vestido branco e as pessoas ouviriam The Strokes ao invés de Exaltasamba. Continuo não conseguindo.

Então começa o que mais me irrita. Meus pensamentos, idéias, reflexões, delírios. Um turbilhão de vozes na minha cabeça...desordenado, muitas vezes desnexo, insano, insuportável. Respiro fundo. É como se houvesse mesmo um anjo e um diabo falando coisas. No meu caso, são vários anjos e inúmeros diabos, todos falando ao mesmo tempo e ainda por cima em alto e bom som!

“Acho que tenho distúrbio de personalidade múltipla.” como a protagonista de Conte-me seus Sonhos, de Sidney Sheldon. “Não, devo ser bipolar!” é impossível sentir coisas tão distintas em curtos espaços de tempos. “Será que não é esquizofrenia?” e assim continuo divagando sobre minha loucura... “É hipocondria, isso sim!” – diz alguém perdido no meu consciente.

A divagação continua, atinge pontos máximos. “O que estou fazendo da minha vida. Será que é isso que realmente gosto e quero pra mim?” e varia às coisas mais fúteis “Preciso cortar esse cabelo...essas pontas estão horríveis!” “E a porra do Palmeiras não ganha faz quantos jogos, meu Deus?”

Sinto uma necessidade imensa de externalizar isso tudo. Se não o fizer, parece que o mundo vai acabar, a Botswana seria a maior potência mundial e tocaria Mc Catra no lugar da marcha nupcial nos casamentos. Levanto em disparada, como se escrever fosse salvar a humanidade.

Pego a caneta, o papel e o chocolate, minha droga diária. Escrevo rápido, com letras tortas e disformes. Pronto! Deito novamente...breve leveza!

Blogspot MALDITO!